domingo, 8 de fevereiro de 2015

amigos escritores #6

"admitamos: essa não é uma tarefa fácil. esse novo homem que nasce ao nosso redor e em nosso próprio interior de fato carece de mãos. ele não lida mais com as coisas, e por isso não se pode mais falar de suas ações concretas, de sua práxis ou mesmo de seu trabalho. o que lhe resta das mãos são apenas as pontas dos dedos, que pressionam o teclado para operar com símbolos. o novo homem não é mais uma pessoa de ações concretas, mas sim um performer: homo ludens, e não homo faber. para ele, a vida deixou de ser um drama e passou a ser um espetáculo. não se trata mais de ações, e sim de sensações. o novo homem não quer ter ou fazer, ele  quer vivenciar. ele deseja experimentar, conhecer e, sobretudo, desfrutar. por não estar interessado nas coisas, ele não tem problemas. em lugar de problemas, tem programas. e mesmo assim continua sendo um homem: vai morrer e sabe disso. nós morremos de coisas como problemas insolúveis, e ele morre de não-coisas (inapalpáveis e inapreensíveis) como programas errados. essas reflexões permitem que nos aproximemos dele. a irrupção da não-coisa em nosso mundo consiste numa guinada radical, que não atingirá a disposição básica da existência humana, o ser para a morte. seja a morte considerada como  a ultima coisa ou como uma não-coisa."

trecho do capitulo a não coisa (1) de O Mundo Codificado / Vilém Flusser

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