domingo, 15 de maio de 2011

kant, de suas gavetas


"A Preguiça e a Covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens, depois que a natureza há muito os libertou de sua direção estranha, continuem no entanto de bom grado menores durante toda a vida. São também as causas que explicam porque é tão fácil que os outros se constituam em tutores deles. É tão cômodo ser menor. Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimento, um diretor espiritual que por mim tem consciência, um método que por mim decide de minha dieta, etc; então não preciso esforçar-me eu mesmo. Não tenho necessidade de pensar, quando posso simplesmente pagar; outros se encarregarão em meu lugar dos negócios desagradáveis. A imensa maioria da humanidade considera a passagem a maioridade difícil e, além do mais, perigosa, porque aqueles tutores de bom grado tomaram a seu cargo a supervisão dela. Depois de terem, primeiramente, embrutecido seu gado doméstico, e preservado cuidadosamente estas tranqüilas criaturas, a fim de não ousarem dar um passo fora do carrinho para aprender a andar, no qual as encerraram, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça se tentarem andar sozinhas. Ora, esse perigo na verdade não é tão grande pois aprenderiam a andar finalmente depois de algumas quedas. Basta um exemplo desse tipo para tornar tímido o indivíduo e até atemorizá-lo em geral para não fazer as outras tentativas no futuro.
É difícil portanto para um homem em particular desvencilhar-se da menoridade que para ele se tornou quase uma natureza. Chegou mesmo a criar amor a ela, sendo por hora realmente incapaz de utilizar seu próprio entendimento porque nunca o deixaram fazer a tentativa de assim proceder. Preceitos e fórmulas, esses instrumentos mecânicos do uso racional, ou antes, do abuso, de seus dons naturais, são grilhões de uma perpétua menoridade. Quem deles se livrasse só seria capaz de dar um salto inseguro, mesmo sobre o mais estreito fosso, porque não está habituado a esse movimento livre. Por isso são muitos poucos aqueles que conseguiram, pela transformação do próprio espírito, emergir da menoridade e empreender, então, uma marcha segura".

Immanuel Kant, Crítica da Razão Pura

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